<$BlogRSDUrl$>

sexta-feira, junho 18, 2004

Sozinho



Batem à porta. São sete horas da noite. Ele atende prontamente:
— Boa noite.
— Olá, o que o senhor deseja?
— Bem, amigo. Eu gostaria, antes de mais nada, de te informar que sou assaltante profissional. Profissional, não. Sabe como é, o mercado informal vem crescendo... mas não vou fugir muito do assunto: eu vim surrupiá-lo de qualquer bem material que possa me render algum.
— Isso é alguma brincadeira? – e disse isso olhando ao redor em busca de alguma dessas câmeras escondidas dos programas de televisão.
— O senhor deve imaginar como andam as coisas. Essa onda neoliberal nos pega desprevenidos e, às vezes, roubar é nossa única saída. Os gastos sempre maiores que os proventos, o senhor sabe – e sorriu cúmplice para o dono da casa que, se não fosse o absurdo da situação, lhe retribuiria o gesto – Sou um adepto da não violência e um seguidor fiel das normas do Procon. Os assaltos normalmente vêm sem aviso prévio, o que pode nos pegar com as calças na mão – o dono da casa ajeita o seu roupão – mas eu sempre achei que o consumidor tem o direito de saber o que vai levar, ou melhor, perder. E um roubo, como uma consulta médica, não deixa de ser um produto do trabalho, não é mesmo?
O dono da casa estava estupefacto. Agora, nem tanto com a situação como quanto à fluência lingüística do marginal de blazer enxovalhado.
— Como sou adepto da não violência, não ando armado. O senhor pode comprovar que seria difícil esconder uma arma nesse blazer com os bolsos furados ou nessa calça larga que um velho parente já falecido me deixou.
— É, bem, digo...
— Até que eu queria continuar a conversa, que está muito aprazível, mas visto o adiantado da hora, acho que devo me apressar. Ônibus à noite é uma dificuldade, e o perigo das ruas, meu Deus que nos guie...
— Bem, meu senhor, não sei qual é a gozação, mas eu não sou disso, não. Então, vai dando o pé daqui que já vai começar a minha novela.
— Pelo visto o senhor mora sozinho – e dá uma ligeira espiada pra dentro da casa – Pois homem que sabe de cor o horário da novela das oito, que nunca começa às oito, não deve ter uma mulher em casa. Do contrário, ela logo o avisaria para que mudasse do canal de jogos para o da novela.
— Nisso tenho de lhe dar razão. Afinal, nenhum homem assume que gosta de uma novelinha, não é mesmo?
— Nem que gosta mais de futebol que de sair com a namorada para um cineminha...
— Há-há-há, isso mesmo... – o dono da casa alegra-se com a conversa – mas vamos dar uma entradinha. A cerveja não é da melhor, mas tá geladinha!
— Cerveja boa é cerveja gelada, como dizia meu pai – e regozijaram-se com mais essa afinidade – com a sua licença – e adentrou à casa do Fernandão, como já estava se referindo ao dono da casa o nosso larápio que, para apresentação formal a todos, se chamava Maneco.
Seus olhos passearam pelo som estéreo, pelo DVD e repousaram no prato de azeitonas em cima da mesinha de centro:
— Quero ver inventarem tira-gosto melhor que azeitona.
— Ou bebida melhor que cerveja – e riram-se novamente.
Conversaram animadamente a noite toda. Futebol, religião, política, mulher, o último livro do Rubem Alves... até que Maneco interrompeu a conversa com aquele velho adendo:
— Acho que já chegou a minha hora – disse, apontando desanimado para o relógio.
— O que é isso? Na saída você leva o meu carro! Afinal, desde que me separei não saio mesmo de casa.
Bianca havia deixado a casa de Fernando há seis meses. Desde então, ele havia entrado em depressão, largara o emprego, não atendia aos amigos e engordara doze quilos.
— Se é assim, então...
— Mais cerveja! – e o papo continuou animado, como há muito tempo Fernando não se sentia.

No outro dia, quando Fernando se recobrou da ressaca, só sentiu falta do DVD e das chaves do seu velho Escort. Mas sorriu ao ler o bilhete que seu novo amigo lhe deixara: “Na próxima, eu pago a conta”.

terça-feira, junho 15, 2004

Simples



Por cima daquelas nuvens
tem um monte de estrelas.

sexta-feira, junho 04, 2004

Talvez



E, talvez, escrever seja o meio que meu inconsciente encontrou de se tornar imortal.

Ou, quem sabe, devo parar de ser tão sério e de rever o filme Vanilla Sky.


quarta-feira, junho 02, 2004

Os pombos



Os pombos gordos, se alimentando dos restos que caíam de seu saco de pipocas, causaram-lhe uma sensação de incômodo quase sufocante.
Tentou esquecer, olhar o que estava em cartaz no cinema em frente – um novo filme do Bruno Barreto – e a dor no estômago, mistura de frio e arrependimento, só piorou.
Deixou cair o saco no meio da praça, levantou num susto e decidiu, entre coragem e desespero, pular...