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segunda-feira, maio 30, 2005

DE COMO ME TORNEI UM SERIAL KILLER

Parte I

O dia acordou frio. Da janela, o mar parecia provocar incessantemente ondas cada vez mais fortes, como para se aquecer. Ao contrário, o céu descortinava um azul tão límpido que me fez esquecer toda a madrugada de pesadelos que tivera de enfrentar. Andréa dormia seu sono feliz ao meu lado, com seu sorriso de gozo da noite passada, que não se desfez durante toda a noite.
O primeiro gole de café, que me fez queimar a língua, terminou de me acordar. Era preciso pensar no que faria daquela maleta de dinheiro que, ontem, escondera embaixo da cama e em como me livraria do corpo no porta-malas do Uno.
Aos treze anos comecei, como contínuo, no Hospital das Clínicas. Gostava do trabalho. Ouvia walk-man o dia inteiro. Andava de um Banco a outro. Sentava na Praça da Liberdade e enrolava o serviço. Ficava vendo os avós levando seus netos para passear. Umas meninas, bonitas e despreocupadas, que saíam com seus cãezinhos e sorriam com os elogios dos rapazes que, sem camisa, corriam por ali. Eu nunca as elogiava. Não tinha coragem. Quando completei vinte anos, eles me promoveram. Fui parar numa mesa de aço na tesouraria do hospital, que ficava no subsolo. E nunca mais pude escutar walk-man. Ficava o dia carimbando notas de pagamento. E sonhando em estar numa casinha em frente ao mar, numa praia deserta como a que enfeitava o escritório. Era uma foto antiga, já meio desbotada, que as freiras colocaram lá no hospital para os doentes se sentirem menos doentes. As freiras tinham essas idéias. Zanzavam pelo hospital o dia inteiro atrás das enfermeiras e dos médicos, para que, pelo amor que eles tinham a Deus, atendessem com mais amor aos pacientes que elas acompanhavam. Um dia, o Doutor Francisco se irritou com uma freirinha que só não o excomungou porque sabia que não era dado às mulheres da ordem o poder de fechar as portas do céu a quem quer que fosse.

(continua)



domingo, maio 22, 2005

A morte de Teodoro Santiago



Teodoro Santiago, assim é que o chamáva-mos. Tinha o olho esquerdo de vidro, a perna direita de madeira nobre, preciosamente trabalhada, e oitenta mortes contadas no coração chagásico.

Ontem mataram Teodoro Coração de Vidro. Ninguém acreditou. E quem vai até o Vale do Rio Setúbal pegar o corpo, que já está começando a feder?

Fomos em quatro, numa carroça velha que minha mãe tinha comprado com o dinheiro da pensão de meu padrasto, morto de tiro. Fora assim que Teodoro entrara na minha vida. Mamãe mandou matar o homem que a surrava toda vez que bebia. Teodoro queria receber pelo trabalho, minha mãe não teria tostão até que a pensão chegasse. Coração de Vidro foi meu padrasto nesses seis meses. Mas não surrava mamãe.

O cheiro dava náusea. O corpo já devia estar alí há dias. O olho de vidro estava arregalado. A perna de madeira nobre virara estaca logo acima da cabeça, formando uma espécie de cruz de um Cristo de braços fechados.

Após dias de exame o doutor Afonso não encontrou os buracos, nem as balas. Nenhum sinal de agressão. Somente o olho de vidro arregalado.

Mamãe disse que ele tinha acertado as contas com o diabo.