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segunda-feira, outubro 31, 2005

A MENINA DOENTE






Naquele dia, a menina amanheceu com um gosto amargo na boca, que não melhorou nem com o café adoçado generosamente pela rapadura. Seus olhos negros de cadela pedinte entregaram seu estado e a mãe, que cuidava das fezes do mais moço, sentiu como que uma revelação: “essa menina está morrendo”.
A mais velha, seus nove anos e ainda sem pedras no peito, ficou encarregada de levá-la ao médico. Colocou o vestido vermelho de tecido sintético para parecer mais adulta, batom forte e umas sandálias de salto que a tornavam a caricatura viva de uma prostituta esquecida. A menina, que já passava dos sete, apesar de aparentar dois anos menos, procurou no fundo do baú até encontrar o vestido branco de renda e tule encardido com que fora batizada há dois anos pelo padre Anatólio. O mesmo que costumava amanhecer sem camisas, nem ele sabia como, na cama ardente de Luanda, a dona da pensão.
Nos caminhos do vale se foram, como almas perdidas na luz diáfana daquela hora da manhã. A mãe, que as observava da janela da casa, pensava naquela menina que vivia doente, como a figura de um anjo permanentemente ferido, se perder na poeira vermelha e desejava, com toda a misericórdia daquele coração de mãe, que ela tivesse nascido morta.