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domingo, outubro 17, 2004

ESSE RIO



Esse rio vem enchendo o mar desde que eu me entendo por gente.
E nunca deu.
Sei que Deus existe para não deixar que o rio cubra o mar
e nos afogue a todos.


sábado, outubro 16, 2004

Num canto da sala



Meu pai, sentado na cadeira de balanço de seu avô, fingia se interessar pelo jornal de ontem. Olhava vez ou outra em minha direção, despistadamente. Eu fingia não perceber, até que o ar ficou pesado demais:
- Eu só sinto vontade de morrer às vezes, nas outras é charme - e ele voltou ao jornal, sem jeito.


sexta-feira, outubro 08, 2004

Sob a sombra das amendoeiras



O momento exato em que a pessoa se descobre marca o divisor de águas eterno da sua vida. E se descobrir, ao contrário do que muitos possam pensar, não significa tornar-se em pedra imutável. Antes, é a partir desse momento que as mudanças diárias, que povoam a nossa vida, se tornam mais livres e verdadeiras.

“Viver Para Contar”, a primeira parte do livro autobiográfico do escritor colombiano Gabriel García Márquez, perpassa o complexo enredo diário de vários escritores, de qualquer estilo literário, no transcorrer de suas vidas. A ânsia por aprender a escrever, a eterna batalha com as palavras e a intuição, sempre presente, de que tudo isso não tem utilidade alguma, sempre me atormentou, e continua presente em cada momento em que sento para escrever.

Se embrenhar pelos caminhos da literatura do escritor colombiano é como pairar levemente acima da realidade de toda a América Latina, no que ela tem de mais clandestino e rarefeito. Suas personagens são universais, ao mesmo tempo em que nos são cúmplices, e os temas de seus contos são como que nossa vida posta em papel e tinta aos olhos de todos (como os segredos escritos nos muros de “O Veneno da Madrugada”).

“Cada coisa, só de olhar, me suscitava uma ansiedade irresistível de escrever para não morrer”. Foi assim que o escritor se sentiu ao se despedir da terra de sua infância, sob o calor insuportável dentro do trem da antiga companhia bananeira, que foi a dádiva e a desgraça de Aracataca, a cidade onde viveu e onde nasceu, como erva daninha imortal, o realismo fantástico da América Latina.

Escrever para não morrer talvez seja a força motriz inconsciente de todo escritor. Inconsciente, pois o próprio Gabo cita Rilke, na passagem em que esse diz que “se você acredita que é capaz de viver sem escrever, não escreva”. Como podemos continuar materialistas, se a força que nos move pelo espaço das letras não tem explicação? Luis Carlos y Aragón deixou impresso para sempre, como uma espécie de profecia: “a poesia é a única prova concreta da existência do homem”. O ser humano é de uma complexidade tão rica que posso dizer, sem medo de errar, ser o tema único de todo escritor. García Márquez diz, em seu livro “Cheiro de Goiaba”, que seu tema é a solidão. Tudo o que já escreveu são variações desse sentimento.

A ânsia compartilhada motiva. Funciona como uma espécie de terapia em grupo. Descobrir que esse sentimento povoa grandes escritores é como retirar um peso carmático dos ombros. E o resultado é continuar escrevendo, mesmo sem saber pra que.


segunda-feira, outubro 04, 2004

Tem Dias



Tem dias em que a gente senta em frente a tv e nem vê a vida passar. Tem dias em que a gente senta pra estudar e tudo parece tão natural como se não doesse existir. Tem dias em que eu tô tão alheio a tudo que nem parece que existo.

Outras vezes a gente não consegue ver sentido em nada. Pra que se estuda, se trabalha, se vive todo dia acordando cedo e batendo o ponto naquela máquina enferrujada? Nesses dias é que eu me sinto mais vivo, mais humano e mais só. Nesses dias eu nem queria ter acordado.

Às vezes é bom viver uma vida de cinema americano. "Êta vida besta, meu Deus".

A gente escreve pra esquecer de viver...